Agora é bem aceite que as células musculares produzem eCBs e expressam as enzimas metabólicas CB1, CB2 e eCB, e todas parecem ser, de alguma forma, sensíveis ao desenvolvimento de aumento de peso e obesidade. Enquanto nos miotubos do sistema musculoesquelético de indivíduos magros e obesos, a expressão de cnr1 (o gene que codifica CB1) permaneceu inalterado, em animais alimentados com dieta hiperlipídica, no músculo esquelético da parede abdominal, que expressa os genes cnr2 (codificação CB2) e magl (codificação MAGL) estavam diminuídos e aumentados, respetivamente. Em ratos Zucker geneticamente obesos, os níveis de mRNA CB1 no músculo soleo foram diminuídos, enquanto os níveis de AEA foram aumentados. No entanto, a expressão de cnr1 no músculo soleus de ratos sob uma dieta rica em gordura foi aumentada e os níveis de 2-AG, mas não de AEA, foram significativamente elevados, em paralelo com o desenvolvimento tardio da obesidade e hiperglicemia. Esses relatórios indicam que a resposta do ECS ao estado metabólico do organismo pode apresentar diferenças, subtipo-, espécie- e dieta-dependentes, e devem ser interpretados com base nos resultados de estudos farmacológicos. Estes últimos mostraram que o antagonismo farmacológico dos receptores CB1 sistémicos, em humanos obesos ou em modelos animais, resulta no aumento do gasto de energia/consumo de oxigênio, que por sua vez se deve ao aumento da oxidação de ácidos gordos, possivelmente subsequente ao aumento da biogénese mitocondrial do músculo. Além disso, o tratamento crónico de animais ob/ob e ratos Zucker magros ou obesos, com rimonabant resulta no aumento da captação de glicose no músculo sóleo, enquanto a administração de uma única dose do agonista CB1/CB2, HU210, causou redução da depuração de glicose em todo o organismo, e redução do transporte de glicose para o músculo, mas não para o tecido adiposo, e diminuição da fosforilação de Akt dependente de insulina nos músculos posteriores da perna.

Também parece digno de nota que, culturas de explantes do músculo sóleo de ratos Zucker magros e resistentes à insulina, a AEA e o rimonabant diminuem significativamente, bem como aumentam, respectivamente, tanto a nível basal, como a nível do transporte de glicose insulino-dependente.
Finalmente, a AEA demonstrou inibir a captação de glicose dependente de insulina e a ativação de Akt em células do músculo esquelético de uma forma CB1-dependente. No geral, estes dados implicam que os eCBs no músculo esquelético, via ativação CB1, reduzem não apenas a atividade mitocondrial, mas também a sinalização de insulina e captação de glicose, possivelmente através da inibição da fosforilação de IRS1 e da ativação da quinase dependente de insulina regulada por sinal extracelular (ERK) 1/2. Assim, a hiperatividade do ECS que ocorre no músculo esquelético em quadros de obesidade, podem contribuir para a sensibilidade diminuída à insulina muscular e metabolismo da glicose, bem como à acumulação de ácidos gordos.
Mais recentemente, descobriu-se que o ECS também desempenha um papel fundamental na própria formação do músculo esquelético (Figura). Verificou-se que, possivelmente devido a alterações na expressão de genes envolvidos no seu metabolismo, os níveis de 2-AG diminuíram, tanto durante a formação do miotubo in vitro a partir de mioblastos animais C2C12, como durante o crescimento muscular de animais in vivo. O 2-AG e um agonista específico CB1, mostraram prevenir a formação de miotubos de forma antagonizada por CB1-knock down e antagonismo farmacológico, que em vez disso, estimulou a diferenciação per se. In vivo, os fascículos musculares de embriões de amimais CB1-knockout, continham mais fibras musculares, e as fibras musculares dos animais pos-natais CB1-knockout exibiram um diâmetro aumentado em relação às dos companheiros de ninhada do tipo selvagem. A acção inibitória do 2-AG na diferenciação de mioblastos foi demonstrada e ocorre através da inibição da atividade do canal Kv7.4, que desempenha um papel permissivo na miogénese e depende da fosfatidilinositol 4,5-bifosfato (PIP2). A estimulação CB1 reduziram tanto os níveis de PIP2 total, como dos niveis de PIP2 ligado a Kv7.4 em mioblastos C2C12, e inibiu o movimento através do canal v7.4 em células CHO. Foi sugerido que o 2-AG poderia ser um repressor endógeno da diferenciação de mioblastos via inibição dos canais Kv7.4, atraves dos receptores CB1.
Por último, é importante recordar que a AEA, e, em menor grau, o 2-AG, também ativam os canais TRPV1, que demonstraram estimular a biogênese das mitocôndrias do músculo esquelético, e a sua hipertrofia. No entanto, não existem evidências sobre a possibilidade de que os eCBs modulam esses dois aspectos da função do músculo esquelético, via ativação dos canais TRPV1. Neste contexto, não é surpreendente que a exploração terapêutica de fármacos relacionados ao ECS para doenças musculares, permanece ainda em fase embrionária, com apenas uma, potencial, aplicação terapêutica.
Juntando estas descobertas, pode-se concluir que:
- os eCBs estão profundamente envolvidos tanto no controle do metabolismo energético do músculo esquelético e na formação de novas fibras musculares;
- ambas as ações fundamentais são mediados, preferencialmente, via CB1 e envolvem a AEA e o 2-AG em diferentes graus; e
- o ECS, em última análise, controla a utilização de energia no músculo esquelético, tanto pela oxidação da glicose pelas miofibras, como a extensão da formação muscular.