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Diferenças entre CBD e extrato de Canábis – “Sinergia da planta da Canábis”

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Num estudo controlado randomizado de extratos oromucosos à base de canábis em pacientes com dor refratária apesar do tratamento otimizado com opióides, um extrato predominante de THC não conseguiu demarcar-se favoravelmente do placebo, enquanto um extrato de planta inteira (nabiximols) com THC e canabidiol (CBD) mostrou-se estatisticamente significativo superior do que ambos8, sendo a única diferença, a presença de CBD neste último.

Em estudos de analgesia em modelos animais, o CBD puro produz uma curva dose-resposta bifásica, de modo que doses menores reduzem as respostas à dor até que um pico seja alcançado, após o qual aumentos adicionais na dose são ineficazes. Curiosamente, a aplicação de um extrato de canábis de espectro completo com doses equivalentes de CBD elimina a resposta bifásica em favor de uma curva linear de dose-resposta, de modo que o extrato botânico seja analgésico em qualquer dose sem efeito teto observado9.

Um estudo recente de várias linhagens celulares de cancro da mama humano em cultura e tumores implantados, demonstrou superioridade de um tratamento com extrato de canábis relativamente ao THC puro, aparentemente atribuível à presença de pequenas concentrações de canabigerol (CBG) e ácido tetrahidrocanabinólico (THCA) 10.

Os efeitos anticonvulsivantes do canabidiol foram observados em animais na década de 1970 com os primeiros testes em humanos em 1980.11 Um ensaio recente em animais com convulsões induzidas por pentilenetetrazol empregou cinco extratos diferentes de canábis com concentrações iguais de CBD.12 Embora todos os extratos tenham mostrado benefícios em comparação com os controlos não tratados, diferenças significativas foram observadas nos perfis bioquímicos de canabinóides “não-CBD”, o que, por sua vez, levou a diferenças significativas no número de animais que desenvolveram convulsões tónico-clónicas (21,5-66,7%) e sobrevivência (85–100%), destacando a relevância desses componentes “minor”.

Surge então a questão: uma única molécula purificada, em comparação com uma preparação de canábis reduz o potencial sinérgico? Dados recentes apoiam isso como uma possibilidade distinta. Relatos de casos de médicos que utilizam extratos de canábis com alto teor de CBD no tratamento de epilepsias graves, como Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut, mostraram que os seus pacientes apresentaram uma redução significativa na frequência de convulsões13, 14 com doses muito inferiores às relatadas em ensaios clínicos formais de Epidiolex®, uma preparação de CBD 97% pura com THC removido.15, 16, 17 Essa observação foi recentemente submetida à meta-análise de 11 estudos com 670 pacientes no total. 18 Esses resultados mostraram que 71% dos pacientes melhoraram com extratos de canábis com predominância de CBD versus 36% com CBD purificado (p <0,0001). A taxa de resposta em 50% de melhoria na frequência das crises não foi estatisticamente diferente nos dois grupos e ambos os grupos alcançaram um estado livre de crises em cerca de 10% dos pacientes. No entanto, as doses diárias médias foram marcadamente diferentes nos grupos: 27,1 mg/kg/d para CBD purificado versus apenas 6,1 mg/kg/d para extratos de canábis ricos em CBD, uma dose de apenas 22,5% da dose de CBD purificado. Além disso, a incidência de eventos adversos leves e graves foi comprovadamente maior em pacientes sob CBD purificado versus com alto teor de CBD (p < 0,0001), resultado que os autores atribuíram à menor dose utilizada, que foi alcançada, na sua opinião, pela sinergia entre outros compostos no efeito entourage. Tais observações suportam a hipótese de maior eficácia para extratos de canábis combinando múltiplos componentes anticonvulsivantes, como CBD, THC, THCA, THCV, CBDV, linalol e até cariofileno.19

Canabidiol (CBD) e o extrato de canábis

O CBD não se liga ao recetor CB1, mas quando está por perto, mesmo que em baixas doses, antagoniza os efeitos do THC, ou seja, contraria alguns dos efeitos menos desejáveis do THC, enquanto aumenta as suas propriedades analgésicas e anti-inflamatórias, através do seu papel como modelador alostérico negativo. Também é um antioxidante neuroprotetor mais potente que a vitamina C ou a vitamina E, e futuramente poderá ser usado para condições como insultos neurológicos, nomeadamente Acidentes Vasculares Cerebrais (AVC), etc. Também é um agonista TRPV1 como a capsaicina, o ingrediente ativo das malaguetas, importante no tratamento de diversas condições dolorosas neuropáticas. Um dos seus efeitos a longo prazo é modular o tónus do Sistema Endocanabinóide. Como foi dito anteriormente, também é um potente antiepilético, tendo sido aprovado o Epidiolex®, um extrato purificado de CBD, para o tratamento de epilepsias fármaco-resistentes.

O CBD também apresenta propriedade ansiolíticas.

Em altas doses, o CBD apresenta, juntamente com outros canabinóides, a capacidade de matar, seletivamente, células neoplásicas, preservando as células normais. Mas este tema ainda necessita de muita investigação.

Além do já referido, o CBD apresenta mais de 20 mecanismos de ação, o que conta para o seu poder anti-inflamatório, ansiolítico (via recetores de serotonina), assim como um número de outros efeitos incluindo nos distúrbios do pensamento e na doença hepática em estadio avançado.

Também existem alguns conceitos errados relativamente ao CBD. Muitas vezes ouvidos dizer que o CBD é sedativo, mas na realidade, grandes quantidades de CBD puro são altamente alertas. Isto acontece porque os quimiotipos altos em CBD, geralmente também contém grandes quantidades de mirceno. Outro conceito errado é que o CBD, através do ácido gástrico, transforma-se em THC. Isto não é verdade pois não possuímos maquinaria enzimática capaz de provocar a transformação do 7-hidroxi-CBD em THC.

Embora os mecanismos de ação do CBD ainda não tenham sido totalmente elucidados, mais de 65 alvos diferentes foram identificados até 2015.4 O CBD trabalha dentro e fora do Sistema Endocanabinóide (ECS) através de inúmeras enzimas, canais iônicos, recetores e transportadores.5 O CBD é um modulador alostérico negativo do recetor canabinóide tipo 1 (CB1; por outros

palavras, quando o CBD se liga a um recetor CB1, reduz a capacidade do THC de se ligar ao local), o que explica em parte por que o CBD tem atividade atenuante dos eventos adversos associados ao THC, como ansiedade e taquicardia, e também pode contribuir para os seus efeitos antipsicóticos, anticonvulsivantes e antidepressivos.3,4

Embora estejamos muito longe de compreender todas as complexidades da terapêutica da canábis, sabemos que em doses baixas a moderadas, o CBD é um produto seguro e eficaz com efeitos adversos mínimos, baixa toxicidade e risco bastante baixo de interações medicamentosas perigosas.

 

Bibliografia

1 Ben-Shabat, Shimon; Sheskin, Tzviel; Tamiri, Tsippy; “An entourage effect: inactive endogenous fatty acid glycerol esters enhance 2-arachidonoyl-glycerol cannabinoid activity.“ European Journal of Pharmacology 353(1):23-31; Agosto1998; DOI:10.1016/S0014-2999(98)00392-6.
2 R Mechoulam, S Ben-Shabat: “From gan-zi-gun-nu to anandamide and 2-arachidonoylglycerol: the ongoing story of cannabis”; 1999 Apr; 16 (2):131-43; DOI: 10.1039/a703973e.
3 O Bonn-Miller, Marcel; A ElSohly, Mahmoud; J E Loflin, Mallory; Chandra, Suman; Vandrey, Ryan: “Cannabis and cannabinoid drug development: evaluating botanical versus single molecule approaches”; 2018 Jun; 30 (3): 277-284. DOI: 10.1080/09540261.2018.1474730.
4 McPartland, P. Pruitt “Side effects of pharmaceuticals not elicited by comparable herbal medicines: the case of tetrahydrocannabinol and marijuana“. 1 July 1999, Alternative therapies in health and medicine.
5 McPartland; Russo, Ethan Budd “Cannabis and Cannabis Extracts: Greater Than the Sum of Their Parts?“ June 2001 - Journal of Cannabis Therapeutics 1(3):103-132. DOI:10.1300/J175v01n03_08
6 Russo, Ethan B. McPartland, John M. “Cannabis is more than simply Δ9-tetrahydrocannabinol.”; Psychopharmacology, 165(4), 431–432. 2013.
7 Ethan B Russo “Taming THC: potential cannabis synergy and phytocannabinoid-terpenoid entourage effects”; Br J Pharmacol. 2011 Aug; 163(7): 1344–1364. DOI: 10.1111/j.1476-5381.2011.01238.x
8 Jeremy R Johnson 1, Mary Burnell-Nugent, Dominique Lossignol, Elena Doina Ganae-Motan, Richard Potts, Marie T Fallon “Multicenter, double-blind, randomized, placebo-controlled, parallel-group study of the efficacy, safety, and tolerability of THC:CBD extract and THC extract in patients with intractable cancer-related pain” J Pain Symptom Manage 2010 Feb; 39(2):167-79. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2009.06.008.
9 Gallily, Ruth; Yekhtin, Zhannah; Ondřej Hanuš, Lumír “Overcoming the BellShaped DoseResponse of Cannabidiol by Using Cannabis Extract Enriched in Cannabidiol”. Pharmacology & Pharmacy, 2015, 6, 75‐85; February 2015. http://www.scirp.org/journal/pp http://dx.doi.org/10.4236/pp.2015.62010.
10 Blasco-Benito, Sandra; Seijo-Vila, Marta; Caro-Villalobos, Miriam; Tundidor, Isabel; Andradas, Clara; García-Taboada, Elena; Wade, Jeff; Smith, Stewart; Guzmán, Manuel; Pérez-Gómez, Eduardo; Gordon, Mara; Sánchez, Cristina. “Appraising the "entourage effect": Antitumor action of a pure cannabinoid versus a botanical drug preparation in preclinical models of breast cancer” Biochem Pharmacol 2018 Nov; 157:285-293. DOI: 10.1016/j.bcp.2018.06.025.
11 J M Cunha; E A Carlini; A E Pereira; O L Ramos; C Pimentel; R Gagliardi; W L Sanvito; N Lander; R Mechoulam “Chronic administration of cannabidiol to healthy volunteers and epileptic patients” Pharmacology 1980;21(3):175-85. DOI: 10.1159/000137430.
12 Berman, Paula; Futoran, Kate; M. Lewitus, Gil; Mukha, Dzmitry; Benami, Maya; Shlomi, Tomer; Meiri, David “A new ESI-LC/MS approach for comprehensive metabolic profiling of phytocannabinoids in Cannabis” 24 September 2018.
13 Goldstein, B. “Cannabis in the Treatment of Pediatric Epilepsy.” Chicago, IL: O’Shaughnessy’s, 7–9. 2016.
14 Russo, E. B.; Marcu, J. (2017). “Cannabis pharmacology: the usual suspects and a few promising leads.” Adv. Pharmacol. 80, 67–134. DOI: 10.1016/bs.apha.2017.03.004.
15 Devinsky, O., Marsh, E., Friedman, D., Thiele, E., Laux, L., Sullivan, J., et al. (2016). “Cannabidiol in patients with treatment-resistant epilepsy: an open-label interventional trial.” Lancet Neurol. 15, 270–278. DOI: 10.1016/S1474-4422(15)00379-8
16 Devinsky, O., Cross, J. H., Laux, L., Marsh, E., Miller, I., Nabbout, R., et al. (2017). “Trial of cannabidiol for drug-resistant seizures in the dravet syndrome.” N. Engl. J. Med. 376, 2011–2020. DOI: 10.1056/NEJMoa1611618
17 Devinsky, O., Patel, A. D., Thiele, E. A., Wong, M. H., Appleton, R., Harden, C. L., et al. (2018). “Randomized, dose-ranging safety trial of cannabidiol in Dravet syndrome.” Neurology 90, e1204–e1211. DOI: 10.1212/WNL.0000000000005254.
18 Pamplona, F. A., da Silva, L. R., Coan, A. C. (2018). “Potential clinical benefits of CBD-rich Cannabis extracts over purified CBD in treatment-resistant epilepsy: observational data meta-analysis.” Front. Neurol. 9:759. DOI: 10.3389/fneur.2018.00759.
19 Lewis, M. A., Russo, E. B., and Smith, K. M. (2018). “Pharmacological foundations of Cannabis chemovars.” Planta Med. 84, 225–233. DOI: 10.1055/s-0043-122240

O primeiro passo é procurar aconselhamento médico.