Neste artigo, a Dra. Ana Rita Andrade responde-nos a algumas questões, dá-nos a sua opinião sobre a descoberta do canabigerol (CBG), o interesse da comunidade cientifica e os benefícios terapêuticos que pode ter esta substância.
Dra. Ana Rita Andrade, o CBG tem sido cada vez mais falado como tendo bastantes benefícios terapêuticos. Pode começar por falar-nos um pouco sobre como é sintetizado e o que é a molécula de canabigerol (CBG)?
Vamos começar pela via biossintética do canabigerol ou CBG.
Portanto, como já sabemos, a planta da canábis apresenta mais de 150 canabinóides e normalmente sob a sua forma ácida.
Normalmente os percursores dos canabinóides, os pirofosfatos e o ácido olivetólico, combinam-se para formar o ácido canabigerólico, que através do calor ou da luz, perde o seu grupo dióxido de carbono e produz o canabigerol.
O ácido canabigerólico também é o percursor de quase todos os canabinóides incluindo CBD e THC.
Sabemos que o interesse científico pelo canabigerol está a aumentar. Pode descrever-nos o que diz a literatura e a comunidade científica sobre o canabigerol (CBG)?
Então agora vamos olhar um pouco, (ou bastante), para a literatura científica.
Eu pensei em fazer um “resumo cronológico” das investigações realizadas e dos seus resultados, até hoje.
Começando pelo início, o CBG foi isolado de haxixe libanês pelos investigadores Professores Doutores Gaoni e Mechoulam em 1964, e eu adoro isto porque eles apelidaram-no de “O elo perdido na síntese vegetal de constituintes canabinóides." Este foi também o ano em que este mesmo grupo descobriu o THC.
Demorou algum tempo até começar a ser estudado. Os primeiros estudos efetuaram-se por Grunfeld em 1969, numa variedade de espécies, em cães, macacos e ratos, e não observaram nenhuma alteração comportamental.
O CBG foi sintetizado de novo pelo Dr. Gaoni em 1971. Infelizmente nunca tive o prazer de conhecer o Dr. Gaoni porque o perdemos em 2017.
O canabigerol é um inibidor da captação de GABA. O GABA é um neurotransmissor inibitório, e o CBG parece ser superior ao THC ou CBD, possivelmente atuando como relaxante muscular e muito provavelmente será o mecanismo pelo qual o CBG tem mostrado efeito como agente ansiolítico (Banerjee et al. 1975)
O Professor ElSohly, em 1982, demonstrou alguns efeitos antifúngicos desta molécula.
E depois em 1988, foi demostrado que o canabigerol era um agonista potente do adrenorecetor alfa-2, sugerindo que possa ser o mecanismo que leve à eficácia analgésica (Formukong 1988).
Em 1990 descobrimos que era capaz de reduzir a Pressão Intraocular (PIO), o que pode ser útil no glaucoma, contudo, como agente lipossolúvel, precisamos de uma forma de o aplicar no olho, porque o óleo vai interferir com a visão. Por isso é um assunto que ainda tem de ser estudado. (Colasanti 1990).
É mencionado que possui algumas qualidades analgésicas e é capaz de reduzir o eritema, ou vermelhidão, através do bloqueio de lipoxigenases, e novamente, mostra-se superior ao THC. (Evans 1991).
Continuando nesta linha do tempo, em 1998 foi observado um efeito citotóxico sobre o carcinoma epitelióide humano. Citotoxicidade significa matar as células cancerígenas. A coisa única no canabigerol, e noutros canabinóides, é que matam as células cancerígenas e poupam as células normais. Isto é bastante diferente do que acontece nas quimioterapias convencionais, que são tóxicas para todos os tipos de células, normais e neoplásicas, mas nós esperamos sempre que mate as células tumorais primeiro. (Baek 1998).
Em 2005, o Dr. de Meijer, da GW pharmaceuticals, desenvolveu plantas exclusivamente de CBG. Então, se nós recuarmos à biossíntese dos canabinóides, basicamente esta mutação não contém enzimas para formar os outros canabinóides. Normalmente, a planta não pára na síntese de CBG, e passa rapidamente para os outros canabinóides, mas neste tipo de planta, toda a energia vai para a síntese de CBG.
O Professos Ligresti, em 2006, demonstrou efeitos promissores em linhas celulares de cancro da mama.
E algum trabalho foi desenvolvido em ratos, demonstrando o efeito antidepressivo, mas isto ainda não foi testado em humanos. (Musty-Deyo 2006)
O CBG também parece ter efeitos hipotensores (Maor 2006).
Também foi demonstrado em 2007 por Wilkinson, que diminui a produção de queratinócitos, que são sobre expressos na psoríase.
A sua atividade sobre os recetores de canabinóides é relativamente baixa, é um agonista parcial fraco dos recetores CB, muito mais baixa que o THC, cerca de um décimo da potência do THC, mas até hoje não temos evidências fortes o suficiente para afirmar, com certeza, que o canabigerol não seja tão intoxicante como é o THC.
Um estudo muito interessante, publicado em 2008, mostrou que o canabigerol é muito potente como antibiótico contra bactérias Gram positivas e bactérias meticilino-resistentes (MRSA), que é uma das fontes de infeção hospitalar, que podem ser devastadoras.
Apesar de todo este trabalho, existem apenas 35 artigos sobre canabigerol, indexados pela NLM, até 2009 (McPartland 2014).
Mas continuando, o CBG é uma molécula bastante versátil. A sua atividade sobre o adrenorecetor alfa-2, é de um potente agonista, mas menos potente que os inibidores do recetor de serotonina 5-H1A. Haverá aqui algum papel antidepressivo? Ainda não sabemos ao certo. (Cascio 2010). O recetor de serotonina 5-H1A é bastante interessante, porque normalmente procuramos por agonistas do 5-H1A. Nós temos de perceber melhor o que é que a atividade sobre este recetor significa realmente.
Em 2010 e 2011, um grupo italiano, o Dr. de Petrocellis et al., mostraram que o canabigerol atua estimulando vários canais de potencial transitório, ou canais TRP, especialmente sobre o canal TRPM8, como antagonista, sugerindo benefício no cancro da bexiga e também cancro da próstata. Talvez também possa ser útil na hiperatividade e dor do detrusor. (Mukerji 2006). São todas possíveis futuras indicações terapêuticas.
Também foi demostrado, por volta do mesmo ano, que o CBG inibe fortemente o uptake de anandamida. A anandamida é um dos canabinóides endógenos, e tal como o CBD, tem a capacidade de aumentar o tônus endocanabinóide. Portanto, ao longo do tempo poderá ser útil no tratamento de diversos sintomas ou patologias.
Em 2019, foi demonstrado que o canabigerol apresenta propriedades neuroprotetoras, prevenindo a lesão cerebral na inflamação, via recetores PPAR-gama e recetores nucleares que afetam a transcrição genética. Também causa a dowregulation do fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa) nos neurónios motores, os quais são responsáveis por ativar os músculos, uma vez expostos ao lipopolissacarídeo (LPS) (Manamana 2019).
Um estudo sobre Glioblastoma Multiforme, um tipo de tumor cerebral bastante agressivo, demonstrou uma viabilidade reduzida destas células e de células tronco, e parece demonstrar uma atividade superior à do THC, levando à apoptose ou morte celular programada, que é uma função normal das células. Esta função parece estar "desligada" nas células tumorais levando à sua imortalidade e à sua tendência de crescer e crescer. (La 2021).
Por último, não podia deixar de referir um estudo realizado pelo Dr. Ethan Russo sobre o uso de produtos ricos em canabigerol (>50% CBG), nos últimos 6 meses, no qual o Dr. Ethan Russo caracteriza esta população, define os padrões de consumo, analisa a composição dos produtos usados, as patologias/sintomas tratados com CBG, avalia a eficácia do CBG VS medicação convencional, descontinuação, abstinência, efeitos adversos entre outros. Mas para analisarmos este artigo com olhos de ver precisávamos de mais umas horas! Mas pode ser uma hipótese futura, pois o estudo está muito bem feito, e dá boas informações.

Claro que sim. Assim o faremos! Uma última questão, sabe dizer-nos se a planta da canábis é a única planta, ou alimento, que contém CBG?
Pode surpreender-vos, mas a canábis não é o único local onde podemos encontrar CBG.
Em 1979, um artigo alemão, e eu ainda tive de pagar uns trocos pelo artigo e pela tradução para inglês, pelo menos do abstract, porque alemão eu ainda não consigo traduzir..., mas continuando, este estudo alemão reportou, em 79, ter encontrado CBG numa flor sul-africana, da espécie Helichrysum umbraculigerum. A quantidade de CBG foi quantificada e é muito baixa, contudo é interessante percebermos que esta flor era usada na botânica pelos sul-africanos, como por exemplo, fumada para tratar a dor. Se este efeito não é devido ao canabigerol, eu não sei ao que se deve, então.


Doutora Ana Rita, obrigada pela sua disponibilidade e pela sua preocupação em entregar-nos toda a bibliografia que usou para esta entrevista e ajudar-nos a "traduzir", digamos assim, a entrevista de áudio para texto, de forma mais compreensível para os leitores. Muito obrigada. Esperamos encontrar-nos novamente em breve.
Obrigada pelo vosso interesse e por dispensarem estas informações aos utentes e seguidores de forma gratuita. É importante que as pessoas estejam informadas para poderem tomar decisões de forma consciente e informada, e isso é função dos profissionais e das instituições de saúde. Parabéns e até à próxima, com muito gosto.