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Tratamento do Distúrbio do Espectro do Autismo com canabinóides – Revisão de ensaios clínicos II

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A pesquisa sobre Distúrbios do Espectro do Autismo (DEA) aumentou muito nos últimos 20 anos, mas ainda não temos um tratamento médico definitivo. Recentemente, o uso de Cannabis sativa e o componente CBD não-psicotomiméticos em crianças com autismo tem recebido atenção crescente e um número crescente de famílias com crianças autistas estão a considerar administrar esses produtos para melhoria dos sintomas comportamentais graves, convulsões e outras condições desafiantes relacionadas ao autismo.

Infelizmente, os dados científicos disponíveis atualmente, ainda são limitados, mas o crescimento de relatos de casos que mostram benefícios dos canabinóides e do CBD em crianças com DEA. Neste contexto, a pesquisa do autismo é mais importante do que nunca, não apenas para os pacientes, mas também para apoiar os cuidadores e as famílias no manejo desse distúrbio.

Como conclusão, dizem que a canábis rica em CBD pode ser útil em crianças com DEA via diferentes mecanismos de ação, incluindo ansiolítico e antipsicótico, assim como apresenta efeitos imunomodeladores e o seu impacto no Sistema Endocanabinóide 1

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Tratamento do Distúrbio do Espectro do Autismo com canabinóides - Ensaios clínicos
Em 2019 foi publicado um estudo cohort com o objetivo de avaliar a experiência dos pais/cuidadores que administravam, sob supervisão médica, canabinóides orais em crianças com DEA e sintomas co-mórbidos associadas, como autoagressividade, alterações do sono, hiperatividade e ansiedade. Realizaram ainda uma comparação dos resultados obtidos com os fármacos indicados para o tratamento de comorbilidades associadas. Foram incluídas 53 crianças, com média de idades de 11 anos, sob CBD.

Relativamente aos sintomas de hiperatividade, comportamentos autoagressivos, alterações do sono e ansiedade, a maioria dos cuidadores reportou melhorias com a toma de CBD. Além disso, as melhorias alcançadas com a administração supervisionada de CBD comparando com a eficácia dos fármacos de primeira linha para o tratamento destes sintomas, o CBD não se mostrou inferior.

Os autores referiram ainda que existem relatos de caso que indicam que a autoadministração de canabinóides, sem supervisão médica, pode induzir um quadro de psicose aguda, a qual depende da interação de vários fatores. Neste sentido, os autores referem que é contraindicado a administração de CBD a pacientes com história de psicose 2.

Uma revisão sistemática, publicada em 2020 conclui que os canabinóides podem representar uma ferramenta farmacológica promissora no tratamento da neuroinflamação do DEA, em particular, o CBD, por ser desprovido tanto dos efeitos adversos psicotrópicos induzidos por agonistas diretos dos recetores de canabinóides, tanto das alterações de humor induzidas por antagonistas dos recetores de canabinóides de primeira-geração/agonistas inversos 3.

O aumento da nossa compreensão da neurobiologia do DEA, incluindo do seu componente neuroinflamatório, é essencial para o desenvolvimento de novos medicamentos eficazes e seguros, incluindo canabinóides no tratamento deste distúrbio do neurodesenvolvimento.

Um ensaio clínico realizado em Israel, duplamente cego, controlado por placebo, publicado a 3 fevereiro 2021, com 150 pacientes de DEA onde testaram 3 grupos sob administração de (1) placebo oral, (2) extrato de planta inteira de cannabis contendo CBD e THC em uma proporção de 20: 1 e (3) CBD puro e THC puro na mesma proporção e concentração. O objetivo primário era avaliar se o extrato de planta inteira de canábis induziria uma melhoria significativa nas avaliações comportamentais em comparação com o placebo. O objetivo secundário era avaliar a opinião e qualidade de vida dos pais/cuidadores, assim como os efeitos adversos.

Atualmente, não existem medicamentos estabelecidos para os principais sintomas autistas. A risperidona e o aripiprazol foram aprovados pelo Infarmed para tratamento da irritabilidade comórbida, mas estes fármacos costumam causar obesidade e síndrome metabólica. O impacto do tratamento com canabinóides nos problemas comportamentais não diferiram significativamente entre os participantes que receberam canabinóides e os participantes que receberam placebo. O peso também diminuiu no grupo que recebeu canabinóides. Este estudo, demonstrou pela primeira vez, num ensaio clínico controlado por placebo, que o tratamento com canabinóides tem o potencial de diminuir os comportamentos disruptivos associados ao DEA, com tolerabilidade aceitável 4.

Isso é especialmente importante para muitos pacientes com DEA que estão acima do peso, pois o tratamento com canabinóides foi associado à perda de peso líquido em contraste com o ganho de peso substancial geralmente produzido pelos antipsicóticos.

Está a decorrer um ensaio clínico de fase 2, randomizado, duplamente cego que tem como objetivo examinar a eficácia e segurança da CBDV com o objetivo principal de estudar seu efeito sobre a irritabilidade em crianças com DEA – “Cannabidivarin (CBDV) vs. Placebo in Children With Autism Spectrum Disorder (ASD)”, visto a CBDV ser um fitocanabinóide não psicoativo e uma variante segura do CBD e não contem uma quantidade apreciável de THC (menos de 0,01%), ter mostrado não ter impacto no peso ou no metabolismo, e melhora o funcionamento social e cognitivo em modelos animais de autismo idiopático e sindrômico (Síndrome do X Frágil, Síndrome de Rett, Síndrome de Angelman5.

Mais uma vez os investigadores mostram-se preocupados em encontrar uma solução eficaz, com menos efeitos adversos, em substituição fármacos de primeira e segunda linha prescritos atualmente para controlo da irritabilidade, dos comportamentos repetitivos e estereotipados, da agressividade, da epilepsia entre outros, melhorando o perfil metabólico a longo prazo. A CBDV, como o valproato de sódio, é eficaz no tratamento da epilepsia pediátrica, e os estudos pré-clínicos demonstram potenciais mecanismos para o tratamento dos DEA com CBDV, nomeadamente em comportamentos repetitivos, irritabilidade, sociabilidade e qualidade de vida e a capacidade de reduzir a neuroinflamação.

Bibliografia:

1 Aran, Adi et al., 31 outubro 2018, “Brief Report: Cannabidiol-Rich Cannabis in Children with Autism Spectrum Disorder and Severe Behavioral Problems – A Retrospective Feasibility Study”, Journal of Austism and Development Disorders (2019) 49:1284-1288, Springer Science+Business Media, LLC, part of Springer Nature 2018

2 Barchel, Dana et al., 9 janeiro 2019, “Oral Cannabidiol Use in Children With Autism Spectrum Disorder to Treat Related Symptoms and Co-morbidites”, Obstetric and Pediatric Pharmacology, Front. Pharmacol. 9:1521, frontiers in Pharmacology

3 Carbone, Emilia at al., 10 dezembro 2020, “Healing autismo spectrum disorder with cannabinoids: a neuroinflammatory story”, Elsevier 2020 Neuroscience and Biobehavioral Reviews (2020), p.35

4 Aran, Adi et al., 3 fevereiro 2021; “Cannabinoid treatment for autism: a proof-of-concept randomized trial”; 6 (2021); Molecular Autism; BMC

5 https://clinicaltrials.gov/ct2/home

O primeiro passo é procurar aconselhamento médico.