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Tratamento do distúrbio do espectro do autismo com canabinóides

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O uso de canabinóides no tratamento do Distúrbios do Espectro do Autismo (DEA) foi inicialmente impulsionado por pais desesperados que tentavam encontrar algo que pudesse ajudar a controlar os comportamentos, relacionados ao DEA, dos seus filhos. Em 2013, a American Academy of Pediatrics (AAP) recomendou que fossem emitidas restrições mais rígidas ao uso de canabinóides por crianças, principalmente para conter uma tendência crescente de pais que usam canábis para tratar os seus filhos. No entanto, nos últimos anos, surgiu uma compreensão científica do papel significativo do sistema endocanabinóide no desenvolvimento de autismo 1.

O DEA, refere-se a uma ampla gama de condições complexas que afetam a comunicação, as capacidades sociais, a autorregulação e os comportamentos de uma pessoa. Outros exemplos de transtornos que fazem parte do espectro e que anteriormente eram considerados diagnósticos distintos são a Síndrome de Asperger e o Transtorno Global do Desenvolvimento. O autismo é considerado um transtorno do espectro porque cada pessoa é afetada de maneira diferente e em graus diferentes. Parece haver uma incidência maior nos meninos, visto apresentarem quatro vezes mais probabilidade de serem afetados.

Os principais sintomas do DEA são a comunicação e interação social recíproca prejudicadas, e padrões de comportamento ou interesses restritos, repetitivos e estereotipados.

Embora dois medicamentos antipsicóticos tenham sido aprovados para tratar a irritabilidade associada ao DEA, não abordam os sintomas nucleares. Além disso, aproximadamente 40% das crianças não respondem a esses fármacos ou a intervenções comportamentais 2. Aproximadamente 10 a 30% das pessoas com DEA também têm epilepsia 3.

Tratamento do Distúrbio do Espectro do Autismo com canabinóides

Os investigadores relatam várias vias sobrepostas tanto para DEA quanto para epilepsia 4. Desde que o sistema endocanabinóide demonstrou ser um importante regulador fisiológico de convulsões, bem como altamente envolvido no controle de interações emocionais, comportamentais e sociais, os investigadores, estudam esta disfunção como uma possível causa subjacente, e possível alvo de tratamento para DEA.

Uma série de estudos avaliaram o papel do envolvimento do sistema endocanabinóide no DEA:

  • Um estudo pré-clínico avaliou o papel do sistema endocanabinóide na síndrome do X frágil (uma síndrome que causa dificuldades de aprendizagem, défice cognitivo e apresenta características do DEA) e perceberam que o defeito genético que causa esta síndrome também causou metabolismo e atividade anormais do sistema endocanabinóide. O mesmo estudo descobriu que o aumento farmacológico da sinalização endocanabinóide normaliza esse defeito e corrige anomalias comportamentais num modelo animal com síndrome do X frágil 5.
  • Uma pesquisa recente, também levantou a questão de o paracetamol poder despoletar autismo pela ativação dos recetores canabinóides 6.
  • No modelo pré-clínico de autismo, os ratos que tiveram disrupção pré-natal do sistema endocanabinóide tiveram alterações comportamentais associadas ao transtorno do espectro do autismo 7.
  • Uma revisão de investigadores portugueses, publicado em 2019, também mostrou evidência que o Sistema Endocanabinóide (SE) exibe um potencial substancialmente alto para diretamente ou indiretamente interromper a homeostase mediada por endocanabinóides nos processos relacionados ao neurodesenvolvimento. Essa desregulação pode ser particularmente crucial durante a formação do cérebro no feto, antecipando o possível aparecimento de distúrbios do neurodesenvolvimento. Concluíram também que, desvendar os alvos moleculares do SE no cérebro em desenvolvimento exibe o potencial para encontrar novos biomarcadores para a compreensão e, possivelmente, o tratamento de distúrbios do neurodesenvolvimento 8.

 

Recentemente, uma série de estudos clínicos (em humanos) mostraram que crianças com alterações do Espectro do Autismo apresentam alterações no seu sistema endocanabinóide, quando comparadas com crianças que não apresentem o mesmo distúrbio:

  • Um estudo clínico realizado em crianças, entre os 3 e os 9 anos de idade demonstrou que os recetores CB2 nos glóbulos brancos das crianças com DEA estavam aumentados (acredita-se que ocorra de forma compensatória aos baixos níveis de endocanabinóides) em comparação com controles saudáveis ​​compatíveis 9.
  • Em 2018, um estudo da Universidade de Stanford documentou que crianças com DEA apresentam níveis mais baixos de anandamida plasmática em comparação com crianças sem DEA. Os autores relataram que "as concentrações de anandamida diferenciaram significativamente os casos controlo, de modo que crianças com concentrações mais baixas de anandamida eram mais propensas a ter DEA. Esta descoberta é importante visto os níveis de anandamida poderem ser usados ​​como biomarcador para o diagnóstico de DEA 10.
  • Um estudo de 2019 de investigadores israelitas relatou que crianças com DEA têm níveis mais baixos de três endocanabinóides, quando comparados com crianças sem DEA. O estudo mostrou que os níveis mais baixos "não estavam significativamente associados ou correlacionados com fatores como idade, sexo, IMC, medicamentos e funcionamento adaptativo dos participantes de DEA 11.

Apesar de 2 ensaios clínicos, com o objetivo de avaliar o uso de CBD no tratamento do DEA, terem sido aprovados nos EUA, nenhum deles teve início. No Entanto encontramos alguns ensaios clínicos realizados noutros países que parecem promissores:

  • Em Israel, 60 crianças com sintomas graves de DEA aos quais foi administrado um óleo com um rácio de 20:1 de CBD:THC. 31 Das crianças (52%) respondem bem a esta preparação à base da planta de canábis; aqueles que não responderam foram tratados com rácios mais baixos (mais THC em relação ao CBD), resultando melhoria sintomática em outras 20 crianças (69%). No final do estudo, 73 % permaneceram em tratamento. Os autores referem que o intervalo de dose de CBD foi de 1,2 a 6,4 mg/kg/dia e de THC entre 0,07 a 0,51 mg/kg/dia divididas em 3 tomas diárias, e 0,2 a 3,4 mg/kg/dia de CBD e 0,08 a 0,36 mg/kg/dia de THC para crianças que receberam duas tomas diárias 12.
  • Também em Israel, 188 pacientes foram tratados com uma preparação à base da planta da canábis, num rácio CBD:THC de 20: 1, entre 2015 e 2017. Após 6 meses, 82,4% permaneceram em tratamento ativo com os seguintes resultados: 28 pacientes (30,1%) relataram uma melhoria significativa, 50 (53,7%) moderada, 6 (6,4%) leve e 8 (8,6%) não apresentara qualquer melhoria. O tratamento foi considerado bem tolerado, seguro e eficaz 13.
  • Um estudo observacional no Brasil com pacientes com DEA (alguns com epilepsia) sob uma preparação à base da planta da canábis, contendo um rácio CBD:THC de 75:1 referem que dos 15 pacientes que realizaram tratamento, apenas 1 apresentou melhorias sintomáticas 14.

Bibliografia:

1 Dilja D. Krueger abd Nils Brose, “Evidence For a Common Endocannabinoid-Related Pathomechanismm in Austism Spectrum Disorders”, Neuron 78.3 (2013): 408-410.
2 B. A. Adler et al., “Drug-Refractory Aggression, Self-Injurious Behaviour, and Severe Tantrums in Austism Spectrum Disorders: A Chart Review Study,” Autism 19, nº1 (2015): 102-6.
3 K. Ballaba-Gil et al., “Epilepsy and Epileptiform EEG: Associations with Austism and Language Disorders,” Mental Retardation and Developmental Disabilities Research Review 6, nº 4 (2000): 300-8.
4 R. Canitano, “Epilepsy in Autism Spetrum Disorders” European Child and Adolescent Psychiatry 16, no. 1 (2007): 61-66; P: M. Levisohn, “The Austism-Epilepsy Connection, “Epilepsia 48, suppl.9 (2007): 33-35; and M. L. Lewis et al., “Comorbid Epilepsy in Autism Spectrum Disorder: Implications of Postnatal Inflammation for Brain Excitability”, Epilepsia 59, no. 7 (2018): 1316-26.
5 M. Maccaeeone et al., “Abnormal mGlu 5 Receptor/Endocannabinoid Coupling in Mice Laking FMRP and BC1 RNA, “Neuropsychooharmacology 35, no. 7 82010): 1500-9.
6 S. T. Shultz, “Can Autism Be Triggered by Acetaminophen Activation of the Endocannabinoid System?”, Acta Neurobiologiae Experimentalis 70 no. 2 (2009): 227-31.
7 D. M. Kerr et al., “Alterations in the Endocannabinoid System in the Raat Valproic Acid Modelo f Autism,” Behavioural Brain Research 249 (2013): 134-32.
8 João Alexandre et al., “Synthetic cannabinoids and their impact on neurodevelopmental processes,” Society for the Study of Addiction - Addiction Biology (2019): 12824 março 2020, no. 25
9 D. Siniscalco et al., “Cannabinoid Receptor Type 2, but Not Type 1, Is Up-Regulated in Peripheral Blood Mononuclear Cells of Children Affected by Autistic Disorders,” Journal of Autism and Developmental Disorders 43, no. 11 (2013): 2686-95.
10 D. S. Karhson et al., “Plasma Anandamide Concentration Are Lower in Children with Autism Spectrum Disorder”, Molecular Autism 9. No. 1 (2018): 18.
11 A. Aren et al., “Lower Circulating Endocannabinoid Levels in Children With Autism Spectrum Disorder,” Molecular Autism 10 no. 1 (2019): 2.
12 A. Ara net al., “Brief Report: Cannabidiol rich Cannabis in Children with Austism spectrum Disorder and Severe Behevioral Problems – a Retrospective Feasibility Study,” Journal of Autism and Developmental Disorders 49, no. 3 (2019): 1284-88.
13 L. Bar-Lev Schleider et al., “Real Life Experience of Medical Cannabis Treatment in Autism: Analysis of Safety and Efficacy,” Scientific Reports 9 (2019): 200.
14 P. Fleurt-Teixeira eta al., “Effects od CBD-Enriched Cannabis Sativa Extract on Autism Spectrum Disorder Symptoms: An Observational Study of 18 Paerticipants Undergoing compassionate Use,” Frontiers in Neurology 10 (2019): 1145.
15 Bar-Lev Schleider et al., “Real Life Expirience of Medical Cannabi Treatment in Autismo,” 200.

O primeiro passo é procurar aconselhamento médico.